terça-feira, 23 de março de 2010

Carta - 23 de março 2009

Ciao Cláudia!

Era para escrever-te com mais freqüência, scusa. Nos últimos tempos a vida entrou na contramão e você aprendendo a dirigir à inglesa. Porém, desejei muito escrever esta carta pois amanha você fará 33 anos, ou melhor, faremos.

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Este ano houve uma reviravolta na sua vida. Acredito que se lembrará de tudo o que esta acontecendo hoje. Não tem sido fácil mas tem apreciado este amadurecimento. Até as dificuldades com o renovo do permesso e a possibilidade de ter que sair da Itália são desafios que você escolheu viver. Desejo, para o nosso bem, que vença. Aliás, nem sempre é possível vencer mas sempre se pode aprender. E uma das coisas que tem aprendido é olhar mais para as soluções do que os problemas. Mais um passo, Cláudia, mais um passo!

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Este ano você conseguiu mais uma coisa que sempre desejou: aprendeu o verdadeiro senso do valor de família. Sabe aquela coisa boa de saber que tem pessoas com quem pode contar, dividir e compartilhar? Amor por família é algo para viver com intensidade. Que bom que aprendemos isso ainda a tempo. Você tem a fortuna de ter pais maravilhosos e um irmão que é o motivo de que se for para ter filho eles terão que ter um irmão como você tem.

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No início deste mês você ganhou o seu presente de aniversário. Ele veio com gosto baiano e te fez ver que aquilo que sempre acreditou é real e possível. Lembrei estes dias que este presente foi escolhido há 9 anos quando você abriu mão de algumas coisas somente para te-lo sem saber quando viria. As vezes parecia que não chegaria, mas chegou! Alias, preste atenção nesta lição: acredite mais no seu coração. Muitas pessoas vão dizer que tudo é ilusão, mas acredite na sua voz interior. Lembra que parecia uma fantasia de sua cabeça. Hoje, existem músicas que chegam aos teus ouvidos como profecias do que está acontecendo. E o que era para ser motivo de insegurança, você vê com tranquilidade pois sabe que o tempo tem te preparado para as experiências novas.

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De aniversário, eu te desejo que os anos não lhe tirem a sua sensibilidade. Que os seus olhos possam sempre olhar para frente e que suas escolhas sejam sempre por asas. Faço minhas as palavras da carta de Benjamim Button, para a sua filha Caroline, e as deixo para você lembrar sempre de quem é e de como é feita.

“Se quer saber....

Nunca é tarde demais (ou no meu caso, cedo demais) para ser quem você quiser ser.

Não há limite de tempo.

Comece quando você quiser.

Você pode mudar ou ficar como está.

Não há regras para este tipo de coisa.

Podemos encarar a vida de forma positiva ou negativa.

Espero que encare de forma positiva.

Espero que veja coisas que surpreendam você.

Espero que sinta coisas que nunca sentiu antes.

Espero que conheça pessoas com um ponto de vista diferente.

Espero que você tenha uma vida da qual se orgulhe.

E se você descobrir que não tem,

espero que tenha forças para conseguir começar novamente”.

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Feliz aniversário!

Cláudia

domingo, 7 de março de 2010

Avanti

Depois de um bom tempo sumida apareci somente para um post com pequenos textos ou recheado de fotos. Quase uma desculpa para não escrever. Na verdade, estava pensando no que escrever e vejo que é hora de falar um pouco daquilo que tira aquele sorriso, do post mais abaixo, do meu rosto.

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Recentemente a Flávia fez um post perguntando se seria possível viver mais trabalhando menos, como foi dito por Penélope Cruz. O texto ficou latejando na minha cabeça pois fala da minha realidade na Itália, do que consegui aqui, mas veio num momento que corro o risco de perder tudo.

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Vivo legalmente no país que, recentemente, mudaram as leis de imigração dificultando, e muito, o renovo do permesso (visto). Antes, eu pensava que se o perdesse estaria tudo ok, afinal, tenho casa no Brasil e poderia voltar a atuar na minha área profissional. Hoje, a possibilidade de retorno me angustia, pois significa abrir mão de uma qualidade de vida que conheci somente aqui.

Antes, eu vivia para trabalhar. Hoje, trabalho para viver. A diferença é enorme entre um e outro.

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No primeiro, eu me sentia culpada pelo dia ter apenas 24h, de precisar dormir, de tirar 15minutos do meu dia para almoçar. Férias de um mês? Uma impossibilidade porque, no retorno, corria o risco de encontrar outra pessoa no meu posto, de forma definitiva. Recordo das terríveis enxaquecas, das passagens súbitas no pronto socorro do hospital devido às terríveis dores musculares. De acordar de madrugada preocupada se o release que enviei sairia naquele dia no jornal ou, se ao chegar no escritório encontraria a resposta da entrevista de determinado artista para enviar aos jornalistas que não podia mais esperar para fechar a página do jornal. Apesar desta loucura, gostava do contato com a redação; de entender como se faz uma matéria jornalística e seus caminhos; de ser, também, uma questionadora e formadora de opinião com o meu trabalho...

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Hoje, nem de longe lembro a assessora de imprensa de antes. Parece que entrei num livro. Coloco os pés na rua e me deparo com monumentos de cinco séculos atrás; ando de bicicleta sem sentir falta de um carro; falo com pessoas de todos os continentes; descubro que uma certeza no Brasil é apenas mais uma possibilidade no Marrocos; passear não significa ir ao Shopping Center; não sinto pressão para ter, ou ser, dentro de um padrão pré estabelecido; viajar é uma constante assim como ir a um museu, teatro, cinema, mostras, restaurante; ler, ao menos, um livro por mês ( o atual é Negros, gays, judeus&CIA – A eterna luta contra o outro, de Gian Antonio Stella). Descobri quais são as guerras que eu tenho que lutar. Nem tudo eu preciso brigar. Alguns momentos é melhor abrir mão e deixar andar. Já em outros é necessário usar todas as armas pois o mérito vai ser somente meu.

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Percebi que mudei minhas prioridades. Meus gostos simplificaram ao mesmo tempo em que estão mais apurados. Marcas, status, apresentações aos poucos foram substituídos por cores, sons, sabores, risos e gentilezas. Ainda não ter comprado um teto não é assim tão angustiante. Afinal, quero conhecer o mundo e ainda não sei onde será este lugar para chamar de meu.

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Aprendi a gostar do silêncio, do som do violino que invade calmamente a minha sala (como acontece neste exato momento) produzido dos ensaios constantes da minha vizinha, de ver a neve caindo ou os botões de rosa nascendo, na primavera, como nunca tinha visto antes, de comer abobrinha e um pouco de pasta e sentir que almocei como rainha, de ver um desconhecido abrir o portão e me dar à preferência para passar...

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E fazendo um flash black de tudo isso me dá uma melancolia somente de pensar em ter que sair deste livro. Porém, ainda sou muito positiva e creio que, no final, tudo vai se resolver. Existem possibilidades, então tenho esperança.

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Por que escolhi falar sobre isso? Porque aprendi a valorizar pequenas conquistas, como as citadas acima, e desejo de ter forças para lutar por manter o que tenho hoje. Seja na Itália, no Brasil ou qualquer parte do mundo.

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Pra finalizar. O post de hoje é para dizer que estou bem mas existem problemas sérios acontecendo. Quem vem aqui e tem o sonho de viver uma experiência internacional, não se iluda. Não existe paraíso, apenas formas diversas de ver a vida. Eu uso óculos mas com lentes coloridas. Entendeu a metáfora?

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Ciao!